O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do julgamento do ARE nº 1.255.885 com repercussão geral reconhecida (Tema 1099), declarou que não pode ser exigido o ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados distintos.
Em vista disso, foi firmada a seguinte tese de repercussão geral: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.
Segundo o Relator, Ministro Marco Aurélio, “a saída física de máquinas, utensílios e implementos, a título de comodato, não constitui fato gerador de ICMS. Inexiste etapa a integrar as sucessivas transferências do produtor ao consumidor. Ausente operação de saída, descabe cogitar de situação reveladora de exoneração tributária – isenção ou não incidência –, a fim de impedir-se o aproveitamento dos créditos, conforme as balizas versadas no preceito.”
Utilizando o raciocínio do Ministro, não há que se cogitar em estorno de crédito, quando há transferência de mercadorias entre estabelecimentos, visto que não há operação de saída, e tampouco etapa sucessiva que autorize a anulação do crédito.
Pois bem, esse entendimento foi corroborado por unanimidade pela 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº 1030337-92.2020.8.26.0053, publicado em 06.04.2021:
“Como se vê, consoante o art. 155, §2º, I, da Constituição Federal/1988, o ICMS se trata de imposto não cumulativo, e por assim o ser, o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços será compensado com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal.
Para a compensação a que se refere a não cumulatividade desse imposto, é assegurado ao contribuinte se creditar do ICMS anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada da mercadoria no estabelecimento. Porém, não dão crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas.
Destarte, apenas nos casos em que as operações forem isentas ou quando não houver incidência do imposto é que poderá haverá restrição ao crédito do ICMS.
É certo, contudo, que, no caso concreto, a transferência das mercadorias entre os estabelecimentos da própria empresa autora é etapa intermediária e não caracteriza operação de circulação jurídica de mercadorias, mas sim sua mera circulação física, de modo que se caracteriza como operação que não gera incidência de ICMS.
Se o imposto incidiu na operação anterior, deve ser autorizado o creditamento na etapa subsequente.
Assim, impõe-se o reconhecimento do direito da empresa autora de manter em sua escrita fiscal os créditos relativos às entradas, nos seus estabelecimentos paulistas, dos bens que são objeto de transferências internas e interestaduais subsequentes, em respeito ao artigo 155, § 2º, incisos I e II, da Constituição Federal/1988.”
Da Ação
Trata-se de ação ajuizada por UNILEVER, visando a declaração de seu direito de não se fazer incidir ICMS sobre operações relativas às transferências internas e interestaduais de bens promovidas por seus estabelecimentos localizados no Estado de São Paulo para outras unidades suas, sejam no próprio Estado de São Paulo ou em outros Estados. Objetivou, ainda, o reconhecimento do direito à manutenção dos créditos de ICMS relativos às anteriores entradas, nos seus estabelecimentos localizados no Estado de São Paulo.
No caso concreto, o pleito para manutenção dos créditos de ICMS referentes às entradas decorre do fato de que a legislação paulista exige o estorno dos créditos referentes às operações anteriores quando as saídas subsequentes estão sujeitas a isenção ou não incidência.
O pedido de tutela antecipada foi deferido, nos seguintes termos:
“A jurisprudência do STF corrobora o pedido da autora quanto à não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Isso porque, nesses casos, há mera circulação física, e não jurídica, do bem. Nesse sentido:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Alegada ofensa ao art. 97 da CF/88. Inovação recursal. Prequestionamento implícito. Inadmissibilidade. Tributário. ICMS. Deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Inexistência de fato gerador. 1. Não se admite, no agravo regimental, a inovação de fundamentos. 2. O Supremo Tribunal Federal entende ser insubsistente a tese do chamado prequestionamento implícito. 3. A Corte tem-se posicionado no sentido de que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos comerciais do mesmo titular não caracteriza fato gerador do ICMS, ainda que estejam localizados em diferentes unidades federativas. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido. (ARE 756636 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 29-05-2014PUBLIC 30-05-2014).
Destarte, DEFIRO a antecipação de tutela para suspender a exigibilidade de quaisquer valores de ICMS tidos como devidos nas transferências internas e interestaduais de bens promovidas por suas unidades paulistas, bem como para manter na escrita fiscal desses mesmos estabelecimentos os créditos referentes às entradas dos bens transferidos.”
Ao julgar o mérito, o Juízo de origem entendeu pela procedência do pedido do contribuinte, afastando a incidência do ICMS sobre as transferências meramente físicas de mercadorias:
“Com efeito, a circulação de mercadorias indicada no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal1 não diz respeito à mera transferência física das mercadorias, mas sim à transferência da titularidade (propriedade) dos bens. Nesse sentido: “Relativamente à incidência do ICMS não deveria ter significação a circulação física (mero trânsito de bens pelas vias públicas); a circulação econômica (alteração nas fases da produção, circulação e consumo); mas, exclusivamente, a circulação jurídica (movimentação da titularidade dos bens e das mercadorias).” (MELO, José Eduardo Soares – ICMS – Teoria e Prática. Ed. Livraria do Advogado, 13ª Ed.).
Em síntese, não se pode confundir a circulação econômica (mudança de propriedade) com a saída física da mercadoria (simples mudança de local). A matéria foi sumulada pelo STJ:
“Súmula nº 166 – Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” (grifei)
Nesse aspecto, ao contrário do que sustentou a ré, a jurisprudência dominante entende que, para a incidência do ICMS, deve haver circulação jurídica da mercadoria, com transferência da propriedade. Recentemente, a matéria foi submetida a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito dos recursos repetitivos, cujo acórdão foi assim ementado:
(…)
Entretanto, pertinente consignar que a autora permanecerá com a obrigação acessória de emissão dos documentos fiscais pertinentes a cada operação (seja interna, seja interestadual), porque independe da obrigação principal, tratando-se de instrumento destinado a permitir ao Fisco exercitar seu poder-dever de fiscalização. (…)”
Ao analisar pontualmente a questão referente à manutenção do crédito advindo das entradas, decidiu-se que:
“O ICMS é um imposto dirigido pelas regras da não cumulatividade. De acordo com o artigo 155, §2º, I, da CF, o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
Dispõe, ainda, em seu inciso II, que “a isenção ou não-incidência (…) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes”.
Assim, o creditamento somente será obstado nas limitações constitucionais referentes aos casos de isenção ou não-incidência, pois apenas nessas situações não há, de fato, imposto devido. Destarte, se o imposto incidiu na operação anterior, deve ser autorizado o creditamento na etapa subsequente.
(…)
Destarte, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO para complementar o dispositivo da sentença de fls. 202/204, que passará a constar com a seguinte redação:
Pelo exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido para, confirmando a tutela de urgência deferida (fls. 153/154), declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre a autora, matriz e filiais, e a ré, para fins de recolhimento de ICMS em razão da transferência de mercadorias entre seus estabelecimentos, internamente ou em operações interestaduais, já realizadas ou a realizar, sem prejuízo de manter os créditos relativos às entradas, em quaisquer dos seus estabelecimentos paulistas, dos bens objeto de transferências internas e interestaduais subsequentes, exceto nas hipóteses de isenção ou de não incidência. Em consequência, declaro extinto o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.”